mardi 04 novembre 2003
“Ali onde os humanos não sustentam mais a fala, reaparece o massacre”.
Pierre Legendre. La fabrique de l’homme occidental .
O educador é um escravo
É um escravo encarregado, nas grandes famílias romanas da antigüidade, de acompanhar as crianças do grupo [ gens ] (esta família ampliada podia chegar até a 300 pessoas; ascendentes, descendentes e colaterais do pater familias estavam agrupados assim como as famílias de escravos) até o gymnasium , o lugar de socialização. Ali as crianças aprendiam tanto a atirar lanças quanto a retórica, as matemáticas, a observação dos corpos celestes ou a filosofia. O educador, desde a origem, nos lembra Michel Serres em seu Tiers-intruit , é esse passador do entre-dois, esse mediador social entre a família e os lugares em que as crianças se iniciam na cidadania. O educador não poderia tomar o lugar nem dos educadores naturais que são os pais e a família, nem dos educadores culturais que são os professores e os pedagogos, que iniciam o jovem romano nos saberes indispensáveis para ser membro da cidade. O educador, desde essa época distante, acompanha a passagem. É um passador. No sentido próprio, um intermediário, um entre-dois. Passador dos dois rios, da criança ao homem. Observemos que essa posição implica um bom conhecimento dos dois rios: o meio familiar e o entorno social.
O educador hoje é um descendente longínquo desse epônimo antigo. O escravo a menos [ en moins ]. Ainda que o educador não seja mais um trabalhador liberal. Ele está sujeitado a uma instituição que lhe determina um mandato em função de uma missão para a qual ela estabeleceu uma convenção com as autoridades tutelares concernidas (Estado ou Coletividades Locais). Além disso, hoje o trabalho educativo não se refere mais unicamente às crianças, mas a todos os níveis de população que sofrem de uma marginalização [ mise à l’écart ] – quando não se trata de uma exclusão – pelo fato de diversos prejuízos: inadaptação social mas também a injustiça que reina nas nossas sociedades modernas.
Como o educador trabalha nesse espaço intermediário, nesse entre-dois em que está presente o acompanhamento de pessoas em sofrimento 2 ? O educador é um transmissor de limites que permitem a cada ser humano construir-se e viver entre outros. Os educadores transmitem o impossível porque no impossível cada um se apóia. Freud escreve com razão, em seu prefácio de 1925 à obra de August Aichhorn traduzida em francês sob o título Jeuneusse à l’abandon , que educar, assim como governar e tratar (depois ele dirá psicanalisar), é impossível. Ele acrescentará, retomando esta expressão ao final de sua vida, em 1937, que nessas três tarefas impossíveis “podemos de saída estar certos de um êxito insuficiente”. Trata-se de pessimismo da parte do pai da psicanálise? Não; trata-se de pensar o impossível como um conceito freudiano: aquilo em que esbarra o ideal de educação. Digamos de imediato que o ideal educativo de Pigmalião, que visa reproduzir o outro à sua própria imagem, quebra a cara ao bater nesse impossível. Impossível porque há, na pulsão que governa o ser humano, algo que permanece fundamentalmente ineducável. É essa parte de sombra da pulsão que Freud revela como a essência da pulsão de morte e que Lacan retomará como sendo do registro do real. Os educadores, no encontro cotidiano com seres em grande sofrimento, lidam com essa parte ineducável, essa parte de gozo que se subtrai à “d’homesticação” e às imposições da civilização. O impossível nasce do fato de um ser humano ser castrado pelos imperativos do viver-junto que lhe impõe a sociedade. Ele é castrado, mas o gozo inconsciente continua operando, infatigável. Este gozo se intromete nas formações que o inconsciente encena, inclusive as passagens ao ato. Para usar uma metáfora, se a consciência é o cavaleiro e o inconsciente o cavalo, é muito freqüente que o cavalo leve o cavaleiro a seu gosto.
É por isso que Freud descreverá o processo educativo, em suas conferências de “Introdução à psicanálise”, como “um sacrifício da pulsão”, um desvio, pela cultura, das forças pulsionais para colocá-las a serviço da comunidade. Mas, apesar disso, resta no inconsciente essa parte de sombra que lhe escapa e o governa. A consciência é uma ilha cercada pelo oceano do inconsciente, precisa Freud. O encontro educativo se inscreve sob o signo desse impossível: viver castrado pelas imposições sociais e, ao mesmo tempo, assumir exigências pulsionais que não podemos dominar. Essa é grande questão da educação (especial ou não): introduzir um outro humano nessa tensão entre gozo e prazer, fantasia e realidade, pulsão e desejo. O impossível vem sinalizar para o ser humano um ponto de resistência [ butée ]. A morte representa um de seus emblemas como fracasso da onipotência da criança-rainha. A lei que une e separa os homens constitui uma segunda borda. A vida só é, então, possível ao preço de integrar o que vem do impossível. A vida só é vivível, confia-nos Serge Leclaire em seu livro Mata-se uma criança , ao preço do assassinato permanente da criança maravilhosa que cada um traz em si. Evidentemente essa asserção se dirige tanto ao educador quanto à pessoa de quem se cuida. São esses o alcance e a aposta do ato educativo, é esse o espaço vivo da transmissão: ensinar um outro a lidar com o que o ultrapassa, no espaço social e no espaço psíquico. O que sustenta esse ato de transmissão, nos pais, nos professores ou nos educadores, o que o legitima é a função paterna. O problema é que essa função foi seriamente atingida por nossa sociedade pós-moderna. Vamos avaliar as conseqüências disso um pouco mais.
A tarefa para os educadores é ainda mais difícil na medida em que o contexto social, como o vemos desdobrar-se a nossos olhos na aurora do terceiro milênio, nos faz viver sociedades governadas sob o domínio de uma ideologia cientificista. O impossível que a morte e a lei vêm marcar é violentamente atacado. O discurso da ciência, que pouco a pouco ganhou, a partir do século XVII, nossos modos de pensar o mundo e as relações humanas, fundou-se na ilusão de que para a ciência não haveria nada de impossível. A Aids, o câncer, a própria morte, que continuam a resistir ao avanço da medicina de ponta... mas isso é só uma questão de tempo e de meios para vencê-los. Nas décadas que virão, chegaremos ao fim dessas catástrofes. A sexualidade para além dos limites é essa coisa feita com o Viagra. O recuo dos limites do conhecimento no que diz respeito à Aids ou ao câncer, afinal, só pode ser uma coisa boa, mas participa de uma ilusão diante da morte. Não é à-toa que Martin Heidegger via no ser humano um “ser-para-a-morte”, o que marca um limite absoluto em cada um com relação às pretensões de imortalidade e de felicidade total. A ciência tende a erigir como imortal o corpo do homem. A ideologia que domina em nossa modernidade é exatamente a da felicidade a qualquer preço. E a ciência, engrenada pelas promessas tecnológicas e pelo livre comércio dos bens de consumo, põe no mercado os próprios objetos que viriam, a cada instante, preencher essa fantasia. Enfim, não faltará mais nada. Estaremos completos. Infelizmente, dessa corrida desenfreada para a felicidade que mostra a essência da sociedade capitalista há um resto. Basta considerar o número de abandonados à própria sorte, de desempregados, dos ditos excluídos e as coortes incessantemente aumentadas de seres humanos deserdados, desprovidos, sem fé nem lei, perdidos. O discurso cientificista tem recaídas catastróficas em nosso mundo cotidiano atual; particularmente nos jovens que, bombardeados pelos slogans publicitários e pelas incitações ao consumo sem freio, não vêem que lugar ou qual direito poderia funcionar como limite para suas pulsões. Eles apenas põem em operação o imperativo subjacente a nossa sociedade dita de consumo. “Tudo, tudo já”. É evidente que alguns pais, sobre os quais se diz um pouco facilmente que se demitem de suas funções, só fazem avalizar, no modo de educação de seus filhos, esse sem limite de um gozo social erigido como ideal por um capitalismo que marcha triunfante. São exatamente esses filhos, saídos de todos os meios sociais, das famílias mais ricas às mais pobres, que os educadores encontram com todo gás. Nas instituições em que eles encontram refúgio. Quando não é preciso refugiá-los a força!
Sobre essa questão da felicidade – com um F maiúsculo, ou seja, do gozo e de suas destruições – Freud publicou em 1929 uma grande meditação, intitulada Mal-estar na civilização . Em toda cultura há um mal-estar, nos diz ele substancialmente, e não é para melhor se organizar, melhorar. Os amanhãs que cantam... é melhor renunciar a isso. O fundamento da argumentação de Freud é simples: há, no ser humano, pelo fato de ser aparelhado na linguagem, uma impossibilidade estrutural de felicidade, o que não impede quem quer que seja de correr atrás dela. Mas o ser humano se caracteriza por se construir em torno de um objeto perdido, para sempre perdido, porque nunca mesmo foi possuído. Uma de suas representações é a mãe. Uma mãe mítica, se houver: verdes paraísos da infância, Éden adâmico das origens. Que quer o homem? questiona Freud. Ele quer ser e permanecer feliz. Mas rapidamente o filhote de homem percebe que três obstáculos se apresentam a sua pretensão de felicidade. Há o mundo, os outros e seu corpo. Daí a instalação de uma série de estratégias para superar o obstáculo. Para ultrapassar os limites corporais, para fazer o corpo, que nos obedece tão mal, tomar juízo, alguns se atiram em regimes, manipulações, o ioga, os exercícios esportivos. Para dominar o mundo podemos confiar na ciência e na tecnologia. Internet ou o nuclear ampliaram seriamente nosso campo de intervenção. No que se refere aos outros é mais difícil, não podemos passar sem eles. Mesmo no mais longínquo deserto levamos conosco um mundo louco. A conclusão de Freud é a seguinte: diante do impossível que limita as pretensões de felicidade do homem, é melhor ser razoável e se contentar com as pequenas felicidades que nossa vida cotidiana nos oferece. Em outras palavras, como Freud confessa a um de seus pacientes: “trata-se de transformar nossa pretensão neurótica em infelicidade banal”. É assim que ele chega a indicar, no horizonte da cura de fala, o trabalho e o amor como os meios mais seguros de viver essa infelicidade banal.
Mas eu disse que o agente que leva o homenzinho a abrir mão de seu gozo, a assumir sua “infelicidade banal” é o pai. O pai é o fundamento da lei que, do interdito do incesto às leis sociais, regula o gozo de humanos submetidos à vida coletiva. O pai é primeiro uma função simbólica, mas como toda função é preciso que ela seja encarnada para operar. O pai é essa função que cada um de nós assume e transmite pela lembrança constante dos limites. O pai introduz o sujeito na passagem para outros homens e no submeter-se à lei da fala e da linguagem, para sobreviver. O pai, opondo o interdito e a lei ao gozo do sujeito, faz com que ele advenha à ordem do desejo. É essa operação que é indicada pela psicanálise sob o termo “castração”. É a base de toda função educativa. Ora, essa função só pode ser assumida no espaço familiar, primeiro, e social, depois, se a sociedade a mantém em seus ideais. Veremos que o discurso da ciência, que pouco a pouco invadiu nosso mundo, tem por efeito quebrar o gume da função paterna.
Um exemplo: recentemente, exumamos o cadáver de Yves Montand para fazer uma investigação biogenética quanto a uma paternidade. Essa pesquisa genética foi exigida, como é permitido por lei, por uma moça cuja mãe lhe dizia que ela era filha dele. Observemos que, no devido tempo, Yves Montand, confrontado com essa afirmação, lhe dissera que não era o pai. A palavra do sujeito é aqui desprezada, a ciência vem se colocar em seu lugar. Ora, afirmo veementemente que, mesmo que se desenterrem todos os cadáveres que se quiser, nunca encontraremos pai. O que nisso se pode descobrir eventualmente é um genitor, quer dizer, o agente biológico da reprodução. Um pai não é material, já disse, é uma função, mesmo que seja preciso um para portar essa função. Digo um ou uma, porque em certos povos pode ser uma mulher quem faz o pai. Os seres humanos não se reproduzem como os animais. Eles são produzidos por e na palavra. Até então, em nossas sociedades ocidentais, uma mulher dizia ao homem que ela amava: “você é o pai da criança que carrego”. É preciso ainda que esse homem assuma essa fala. Portanto, um pai é produzido pela palavra de uma mulher em quem ele confia enquanto homem. Ele não vai pedir uma prova genética de sua paternidade. A verdade é que essa mulher diz isso a ele. Ela também se mostra, assim, como submetida à função paterna. Ela transmite o que seu próprio pai lhe transmitiu. Até pouco tempo, então, o pai era fundado nesse ato de fala. O direito romano, aliás, compreendera muito bem isso ao indicar que “ mater certissima, pater incertus ”. Em termos de experiência, quanto à mãe se está sempre certo; quanto ao pai, não se está: é preciso remeter-se à palavra de uma mulher. Podemos dizer que essa palavra singular faz advirem uma mãe e um pai. Eis como funciona há muito tempo a instituição da paternidade. Até que, recentemente, o direito da filiação foi modificado. Num artigo publicado na revista “Esprit” em 1996, Irène Thery conclui que “crer que podemos refundar a segurança da filiação no fato biológico é uma das ilusões maiores de nosso tempo”. Com efeito, e retomo aqui as palavras fortes de Pierre Legendre, “produzir carne humana não poderia ser confundido com instituir filiação”.
Tomo aqui como testemunho a questão da filiação a título de analisador. Poderíamos aumentar o campo de investigação para mostrar como o discurso da ciência infiltrou os mínimos gestos e provocou em nossas sociedades uma mutação que, se não for contrabalançada, as conduzirá primeiro à barbárie, depois à destruição. O que tocamos nesse ponto? É o pai; não é o papai, não é o pai bicho papão, o macho de serviço ou o chefezinho, mas a função paterna, como função civilizadora através da instauração dos limites e da lei. O pai, ao separar mãe e filho, institui a alteridade e introduz o sujeito no campo da fala e da linguagem; ele introduz a dimensão do impossível. Em outras palavras, o pai está no princípio da inserção social de todo sujeito. O que é seriamente atingido através desse maltrato da função paterna? Principalmente as três funções que o pai transmite e que constituem o pedestal de todo ser humano: a fala, o limite e o julgamento.
A enunciação com que todo sujeito se defronta no fato de sustentar sua palavra própria é invalidada. Se a ciência diz o verdadeiro, para que falar? Não nos interessamos mais pela palavra de cada sujeito: ele pode mentir ou se enganar; é melhor confiar nos detectores de mentira e naqueles que sabem o porquê do como. Em nossas instituições, observemos as destruições efetuadas pela convocação de especialistas. Não se pergunta nada às pessoas nem aos usuários; o especialista dirá o verdadeiro sobre o que acontece. Aquele que diz a verdade é o que sabe, até mesmo o que tem o poder. Não escutamos mais ninguém em nosso setor social e médico-social; fazemos auditoria. A fala, única modalidade de instituição do laço social entre os humanos, se encontra amplamente desvalorizada.
O limite agora. Ele é introduzido pelo pai sob a forma do impossível para fazer fracassar a fantasia de onipotência do homenzinho. O pai tem por função introduzir os filhos dos dois sexos, como dizem os textos da Idade Média, numa finitude da dimensão humana, nos limites, no que em psicanálise chamamos castração. Ora, o discurso da ciência vem abalar o princípio mesmo dessa transmissão. Ele desenvolve um saber de onipotência, no qual o impossível desapareceria. Assim li, no “Le Monde”, recentemente, que a abolição da morte é somente uma questão de tempo e de meios técnicos. Logo logo seremos imortais! Portanto, a transmissão da lei que constitui limite para cada sujeito para que possa viver entre os outros sofre um golpe. Do pai passamos ao reino do especialista. Não vale a pena quebrar a cabeça com problemas espinhosos como a clonagem dos genes ou a colonização da lua. Pensa-se por nós. Nomearemos um comitê de ética; ele nos dirá o que fazer. De comitê de ética a etiquetas, chegamos a produzir uma moral Prisunic 3 . Vocês a encontrarão entre as pastas e os sabões em pó que lavam mais branco que o branco.
Por fim, é a faculdade de julgamento que se vê gravemente atingida. Se a palavra de um sujeito não vale nada, se os limites do impossível são abolidos, então como fazer escolhas? Vemos isso muito bem em alguns jovens a quem perguntamos o que querem fazer no futuro. Não só eles não sabem; eles não podem saber, pois saber o que se quer fazer é escolher e, portanto, colocar em jogo seu desejo. Para isso seria preciso ter encontrado o obstáculo da função paterna para relativamente identificar o que se deseja. Mas que eles não se preocupem: os testes vocacionais, as avaliações de competências e outros gadgets ortopédico-pedagógicos escolherão por eles. Como me dizia um rapaz recentemente:
– Eu queria ser escultor e me colocaram em mat.
– Por que você não disse nada a eles?
– Mas eu disse; eles cagaram pra isso. De qualquer forma, são eles que sabem. Na escola, eu não sou nada.
Refiro-me aqui aos trabalhos de um psicanalista belga, Jean-Pierre Lebrun. Ele trabalha em Namur. Num livro excelente chamado Un monde sans limite , ele tenta tirar as conseqüências desse declínio do pai. Eu já disse que, para se manter, essa função deve obedecer a duas exigências: ser encarnada no espaço familiar e social e ser sustentada nos valores da sócio-cultura.
Colocar um jovem de acordo [ remettre en phase ] com o impossível que o castra de uma onipotência fantasística e o faz advir como um entre outros, eis o essencial do trabalho educativo. Em outras palavras, transmitir a castração, fazer corte, limite, separação. Transmitir justamente o que é maltratado no laço social de nossos dias: a enunciação que consiste em assumir-se como sujeito de uma fala singular; os limites para viver juntos, presentificados pela morte e pela lei; a necessidade de escolher e, portanto, de julgar, necessidade ética, se é que há uma.
O sujeito como humanizado mas também dividido pela fala e pela linguagem é o que no homem constitui obstáculo ao pendor natural do mercado. As civilizações, lembra-nos com correção Pierre Legendre, são fábricas de palavras. As palavras limitam o gozo na medida em que separam a coisa e o símbolo que a representa. As palavras nos separam dos objetos. A linguagem nos separa das coisas assim como nos separa dos outros. Por causa disso, é somente no acesso à linguagem e à fala que ocupamos um lugar de sujeito.
Essa função educativa, reedição da função paterna, opera nos gestos do cotidiano, no caminho para uma profissão, num lugar vivível na sociedade e na iniciação a um certo saber-viver. Se essa aprendizagem para a vida coletiva se choca com o impossível é porque o educador não pode forçar um outro a fazer o que não quer fazer. O impossível está presente não somente em cada sujeito, mas também nas relações intersubjetivas. Nesse movimento de humanização visado pelo trabalho educativo, o educador é de fato confrontado com seus próprios limites. Enquanto agente da castração, ele é mesmo “educastrador”, na medida em que está submetido a isso. Em outras palavras, contrariamente ao que alguns pensam, o educador não faz a lei; ele é um dos representantes dela. Ele é obrigado a interrogar seu desejo de ajudar os outros, suas intenções reparadoras, até mesmo salvadoras, sua tendência a querer fazer o bem dos outros, rendendo-se à evidência de que em todo sujeito que ele encontra há um ponto de resistência a suas pretensões educativas. Essa propensão a querer ajudar os outros é exatamente a doença infantil do trabalho social. Assim, é indispensável questioná-la, e no próprio campo. Aprender a lidar com [ faire avec ] esse ponto de impossível funda para o educador uma ética do ato educativo. O educador escorrega num osso: o outro a ser educado nunca é conforme, nunca está no lugar em que queríamos colocá-lo. Seu bem nunca é o que o educador imagina para ele. Todo projeto educativo deve integrar esse dado sob pena de se transformar em empreendimento tirânico de correção. Algo em todo sujeito se mostra indomável. É do lugar desse desarranjo, dessa desilusão que um educador pode ir em direção àquele que está em sofrimento, com o que chamarei uma certa humildade. Em outras palavras, é defrontando-se com o impossível em si mesmo que ele pode acompanhar sua descoberta no outro. O que assim resiste em qualquer sujeito é essa capacidade de escolher, compreendidas aí as escolhas inconscientes. Assumir-se como responsável por essas escolhas, quaisquer que sejam, eis o que Freud descrevia no início do século como uma posição de “homem honesto”. Tornar-se responsável pelo que nos acontece e em grande parte nos escapa, este é o enigma que todo processo educativo atualiza. Essa parte de impossível também poderia ser chamada por seu nome tão aviltado: liberdade, essa “atroz liberdade”, precisava o poeta surrealista René Crevel. Liberdade que exige de todo ser humano ser responsável, quer dizer, ter que responder verbalmente, frente a seus irmãos e irmãs, pelo que lhe acontece. Como Lacan precisa num artigo de 1965 intitulado justamente “A ciência e a verdade”: “Por nossa posição de sujeito somos sempre responsáveis”. É exatamente essa responsabilidade que a ciência tende a apagar expulsando a dimensão subjetiva de todo ato humano. Nesse sentido, uma certa sociologia que tende a explicar os comportamentos humanos pela lei das estatísticas e dos grandes números é um derivado disso, dos mais marcantes em nosso domínio.
Os educadores estão numa posição que a sociedade exige manter: transmitir os limites. Mas, em outros lugares, ela se esmera em destruí-los. É por isso que todos os agentes da função paterna, como os professores, os governantes e os educadores estão em grande dificuldade. Não era por acaso que Freud apontava essas tarefas como impossíveis. Impossíveis porque são o lugar do advento da subjetividade, o lugar de invenção da liberdade e da democracia. O lugar onde o poder deve colocar-se a serviço da comunidade humana, o que representa uma tarefa jamais terminada.
O que fazer, então, numa situação tão difícil? Os três pontos de apoio de um educador são aqueles mesmo que são atingidos pelo declínio da autoridade: a enunciação, o limite, o julgamento. Percorremos sucessivamente esses três pontos.
O primeiro ângulo de ataque para um educador de nossos dias é o seguinte: como dar a cada um a palavra que ele tem que assumir? Fiquei aflito recentemente em Lausanne com uma pedagoga canadense. Os canadenses estão completamente desorientados pela moda do pragmatismo americano. Ela colocava como equivalentes, quando de uma discussão em sala de aula, duas opiniões emitidas por dois alunos, a pretexto de que eles usavam as mesmas palavras. Ela desprezava qualquer enunciação do sujeito, esquecendo que um se exprimia no tom de raiva e outro para agradar o professor. Em resumo, ela tentava riscar do mapa o sujeito como efeito da fala. Na fala, aquele que fala o faz para transmitir uma mensagem, o enunciado, mas também e sobretudo para afirmar diante de outro sua própria existência, através da enunciação. Então, primeira pista: restaurar a enunciação.
Segundo ângulo de ataque: a transmissão dos limites. Deus sabe o quanto é difícil hoje. Com efeito, em que fundar a ação? Tomemos um exemplo. Recentemente, encontrei um grupo de educadores que me contaram a seguinte história. Um rapaz rouba fitas cassete em um supermercado. É pego pelo guarda e levado ao gerente. Este fica muito aborrecido: a instituição de onde vem esse rapaz é um cliente de peso. Ele lhe passa um sabão, sem fazer queixa, e o deixa partir. O educador age da mesma forma e o diretor do estabelecimento igualmente: uma pequena reprimenda. O problema é que nesta mesma noite esse jovem foge da instituição. A interpretação que propus disso foi a seguinte: esse jovem se retira porque não encontra ninguém com quem falar. Ele não pára de transgredir, sem dúvida porque é, como para muitos, a única maneira de identificar seu desejo, através de uma confrontação com a lei, e nada vem como resposta. Nada responde por seu ato e, portanto, nada lhe permite responder a ele, por sua vez. Ele é roubado do sentido de seu ato: é um jovem sem limite. Os adultos que ele encontra, o gerente do supermercado, educadores e diretor da instituição desfazem e abandonam sua posição de adultos. Eles o poupam de se chocar contra a lei que proíbe o roubo e o pune. A pergunta que deixei ao partir foi a seguinte: o que esse jovem deverá fazer da próxima vez para se fazer entender: matar, passar fogo, se destruir? É somente no encontro com o outro que um ser humano pode se construir; é preciso que ele encontre com quem falar, alguém que, frente a ele, tenha, como se diz, garantia [ répondant ].
Terceiro ângulo de ataque: acompanhar um sujeito no fazer escolhas. Fazer escolhas se origina numa posição subjetiva afirmada. Está fora de qualquer moral ou ideologia. Mas como escolher quando tudo vale a mesma coisa? Quando as idéias perdem seu gume, quando os valores se amortecem, quando as teorias se consomem e se consumam rapidamente (com R maiúsculo)? O reino dos sofistas não está distante. Os sofistas eram esses educadores gregos da antigüidade que se empenhavam em ensinar a relatividade dos argumentos discursivos. Num dia eles demonstravam a existência dos deuses e no dia seguinte o contrário. Protágoras, uma das figuras do mestre sofista em Platão, proclama que o que lhe interessa é formar os mestres de amanhã, aqueles que ele chama de “os bons cidadãos”. Górgias, um outro sofista colocado em cena por Platão, afirma que “a retórica (quer dizer, a arte de falar) não tem nenhuma necessidade de saber o que são as coisas de que fala; ela simplesmente descobriu um procedimento que serve para convencer e o resultado é que, diante de um público de ignorantes, ela parece saber mais do que sabem os conhecedores”. Poderíamos acreditar ouvir uma descrição de nossos homens políticos. Se qualquer coisa está em qualquer coisa, e reciprocamente, se nada vale nada, se a única razão que prevalece é a do mais forte e do mais rico, então como escolher e, sobretudo, como permitir a um jovem escolher? A única escolha que se impõe a ele é gozar por todos os meios, de gozar sem limite. Esse é o sentido de todos os slogans publicitários: gozem. É uma ordem, é a palavra dos mestres de hoje. Gozem e nos tornaremos ainda mais ricos e mais fortes. Por que então respeitar um chofer de ônibus ou o bem de outrem? Por que não quebrar o pescoço do primeiro e mandar bala no segundo?
Platão, contrariamente ao mestre sofista, põe em cena a figura de Sócrates. Este declara que não sabe nada. Ele quer dizer que nada pode saber no lugar dos outros e dá como conselho “conhece-te a ti mesmo” e, em posição educativa, se define como “parteiro da alma”. Pensar, para Sócrates, nada tem a ver, como advogam os sofistas, com a adoção do saber do especialista, com a acumulação de um capital monetário nas relações com os outros para melhor dominá-los; pensar, para Sócrates, é descobrir incessantemente o que se é ao dizer. Podemos aqui pesar duas figuras antagonistas de educador. Digamos que os protágoras e o górgias ocupam hoje o alto do edifício e sobem ao pedestal sob a proteção das ciências cognitivas e dos procedimentos de doutrinação educativa.
É difícil o contexto para que os educadores levem um sujeito a fazer escolhas que o engajem. Tudo vai contra isso. Poderíamos dizer que alguns jovens pensam que tudo já está posto. Alguns crêem – e deixamos que eles creiam – que serão o rebotalho da humanidade durante toda a sua vida enquanto outros se locupletam nos paraísos fiscais. Como ultrapassar esses lugares comuns, alimentados ao longo do tempo pelos discursos da mídia, como o de uma sociologia de botequim? Fazer escolhas é assumir-se como sujeito responsável. Trata-se de encontrar o caminho da ética. A ética não é a moral, mas o que serve de base para que o sujeito afirme e assuma seu desejo.
Restaurar a palavra de cada sujeito, transmitir os limites e acompanhar no fazer escolhas: esses três objetivos desenham a linha de horizonte de todo educador. Ora, eles estão sendo destruídos na sociedade capitalista e mercadológica. Assim sendo, podemos avaliar a dificuldade de manter uma posição educativa hoje. Isso caminha no sentido contrário à evolução do que chamamos pós-modernidade. É uma posição subversiva. Subversiva porque essa posição, que chamo de uma clínica do sujeito, força o próprio educador a sustentar um lugar de sujeito, submetido ao limite e não podendo furtar-se a fazer escolhas. Isso não é o que se pede aos educadores hoje. O que se pede a eles é fazer com que as pessoas que lhe são confiadas se mantenham tranqüilas, divertindo-os com alguns gadgets que se chamam “medidas de inserção”. Ora, eu disse que a inserção só é operada numa posição de sujeito, limitado em seu gozo e assumindo escolhas que são suas, num meio social cujas regras ele conhece e aceita. Trata-se, portanto, para um educador, de subverter o comando social e, para isso, de tornar-se um homem astucioso. Trata-se de, no lugar mesmo da alienação, praticar atos criadores. Atos que visem ao acontecimento sujeito em cada pessoa que ele encontra. Trata-se de encontrar a metis dos gregos, essa qualidade que conduz às astúcias da inteligência, de que falam Marcel Détienne e Jean-Pierre Vernant. A educação exige astúcia porque está situada no entre-dois, no intermediário. Entre a política e os sujeitos. Quando o político se aliena no discurso do mercado, trata-se de subvertê-lo para demonstrar com clareza que o mundo dos humanos não se constrói sem crenças, sem fundamentos, sem valores.
“O analista só se autoriza por ele mesmo”, afirmava Jacques Lacan; mas acrescentava, o que alguns se apressaram a esquecer, “e por alguns outros”. É a mesma coisa para um educador. Ele está sozinho diante de suas escolhas subjetivas, sozinho diante de sua posição ética, mas só pode manter sua posição apoiando-se num tripé: a instituição, as mediações, a transferência. Defendo aqui o que chamo de uma “clínica da educação”. Clínica no sentido em que no centro do trabalho educativo está o encontro com um outro humano em sofrimento.
A transferência é o motor desse encontro humano. Mas o educador não entra na relação para satisfazer-se ou proporcionar-se prazer. Ele tem uma missão: ajudar a pessoa a se apropriar o mais possível de seu espaço psíquico, físico e social. Para isso o educador dispõe de lugares de encenação da relação, o que chamo “mediações”. Com alguns ele trabalha na arte de cerâmica, acompanha outros na busca de um emprego, de uma formação, de moradia, ou mesmo, com pessoas muito prejudicadas, como alguns internados, constrói uma ambiência viva e fonte de trocas. É no espaço das mediações que o educador vai trabalhar a dimensão transferencial. De fato, a transferência, irei diretamente ao alvo para defini-la, a transferência é o amor e, às vezes, o ódio. Eles [o amor e o ódio] são as duas faces da mesma medalha. Essa carga de amor traz seu peso de ilusão, pois amamos no outro sempre o que nos falta, quer dizer, precisamente, aquilo de que fomos castrados. Não é necessário que o educador rompa muito rapidamente esse poder que lhe atribui a pessoa com que ele enceta uma relação. Esse poder, bastante ilusório em seu fundamento, que Lacan nomeia “sujeito suposto saber”, é preciso antes pô-lo a trabalhar. Primeiro para ele: toda instituição deve dotar-se de ferramentas de elaboração como reuniões de síntese, sessões de supervisão e de regulação clínica, onde o educador, na escrita e na fala, vai dar forma ao que está em jogo para ele na relação educativa. O objetivo é que ele conserve na relação uma certa humildade, que não dê muito crédito a si mesmo, como se diz, que sobretudo que não se tome por aquele que teria o que falta ao outro. Além disso, é preciso que a relação seja esvaziada de qualquer veleidade de mestria, de toda fantasia, de todo sentimento de piedade ou de caridade, de toda tendência a querer fazer o bem do outro, para que a função educativa possa operar. É preciso, então, que o educador regularmente recicle a si mesmo e suas relações com os outros. Do amor que ele recebe ele não pode tirar proveito. Ele deve responder ao trabalho do amor por um amor ao trabalho. E Deus sabe como isso nos trabalha, o ser amado... e às vezes odiado!
Por outro lado, é nas mediações educativas que ele vai acompanhar a pessoa. É nesse espaço compartilhado por muitos que ela vai aprender [ apprendre ] 4 a realizar sua própria castração, sua própria incompletude; ao passo que ela imaginava que o educador iria preenchê-la, vai-lhe ser preciso viver com sua “infelicidade banal”. As mediações têm aqui a particularidade de serem uma fonte de referências e de contextos humanizantes: o respeito às pessoas, o respeito às regras coletivas, o respeito aos lugares e aos horários, o respeito às instruções, o respeito pelo material são algumas ocasiões de integrar as imposições da vida em sociedade. As mediações são o lugar em que um sujeito pode pôr em cena suas dificuldades de viver com os outros: eu disse, com Freud, que o mundo, o corpo e os outros resistem permanentemente a nossa vontade de poder. As mediações permitem, desta forma, ao sujeito, deslastrar-se da parte transbordante do gozo que o habita. Mas as mediações são também a fonte da criação de objetos ou de situações partilhadas. Espaço de criação e de socialização, as mediações são a ferramenta de base do educador.
Resta a instituição, o terceiro pé do tripé. A instituição deve ser distinguida do estabelecimento. O estabelecimento indica tudo o que é estabelecido: os textos de lei, a organização e o organograma, a arquitetura das construções, os plannings , os budgets ... Quanto à instituição, é preciso nela ver o que um grupo humano que vive no seio desse estabelecimento constrói a partir da intervenção de todos os seus membros. Insisto em todos os seus membros. Em outras palavras, a instituição deve ser fabricada permanentemente e é fruto de cada um, qualquer que seja sua posição, diretor, educador ou servente, mas é preciso também contar no coletivo os usuários. Essa confusão entre o estabelecimento e a instituição é uma das grandes dificuldades atuais das instituições sociais e médico-sociais. Os lugares em que se fabrica a instituição são todos esses lugares de fala e de troca, formais ou informais, que permitem a um grupo humano permanecer vivo, suportar-se entre si. Vejam que fechamos aqui com a dimensão fundadora do laço social: a palavra em toda a sua extensão.
“Por que poetas nesses tempos de desamparo?”, pergunta o poeta alemão Hörderlin. Poderíamos continuar: por que educadores nesses tempos de desamparo? Por que psicólogos, reeducadores, professores, formadores, psicanalistas...? Sim, por quê? E se sua função primeira era de lembrar no espaço social, mas também para cada sujeito, que no impossível cada um se apóia. O impossível é o que mantém cada sujeito em sua relação com os outros, com o mundo, consigo mesmo. É também o que mantém cada grupo humano, cada comunidade, cada equipe, cada coletivo, cada sociedade, cada civilização. Nossa época, querendo fazer desaparecer as fronteiras do impossível, não se arrisca, ao mesmo tempo, a destruir o que funda o laço social?
Para concluir, deixo à meditação de vocês uma passagem de um texto de Pierre Legendre, que me tocou muito e do qual citei vários trechos: La fabrique de l’homme occidental .
“Falamos dessa fatalidade, a de que os caminhos do pensamento desembocam inevitavelmente na interrogação imemorial: em nome de que se pode viver? Quer dizer, por que viver? Sim, por quê?
Não está ao alcance de nenhuma sociedade expulsar o ‘por quê, abolir essa marca do humano. Por isso... A derrocada do questionamento, nesse Ocidente muito seguro de si mesmo, é tão impressionante quanto suas vitórias científicas e técnicas. O medo de pensar fora das instruções fez da liberdade, tão dificilmente conquistada, uma prisão, do discurso sobre o homem e sobre a sociedade uma linguagem de chumbo.
O que acontece? Tornando-se a coisa das ciências, o animal falante deixou – acredita-se – o mundo tenebroso das genealogias, o mistério foi destruído. Com isso o castelo de cartas ruiu, os andaimes tradicionais acabam de desabar diante de nossos olhos. Estado, Religião, Revolução, Progresso, esses artifícios são levados pelo desencadeamento da Administração científica prometida à Terra inteira. O que faremos com a desilusão?
Como as outras civilizações, a Fábrica do homem ocidental está lutando com a certeza de todos os tempos: tudo converge, na experiência da humanidade, para o ponto precário, ‘a grande dor confusa’ de que falava o romântico alemão Kerner, a dor de ter nascido e de dever morrer. Temos o dever de interrogar novamente essa matéria prima dos poderes, esse ponto fraco em cada homem, seu estatuto de indivíduo perecível, mas também de admitir que nossa morte tem um sentido, pois ela faz viver a construção humana da qual somos a expressão passageira, como diz o poeta Virgílio, ‘as pedras vivas’.
Os habitats institucionais são construídos sobre um vazio – um vazio a partir do qual se desdobra a palavra e que traz o pensamento. Na encruzilhada dos caminhos históricos, uma tarefa se impõe: restaurar a dúvida, analisar o agenciamento das ignorâncias que são o séquito da Ciência contemporânea, ultrapassar a crença obscurantista de nossos dias. Instituir a vida: essa é a palavra-chave que resume essa tarefa. A fábrica do homem não é uma usina para reproduzir as fontes genéticas. Nunca veremos uma sociedade ser governada sem os cantos e a música, sem as coreografias e os ritos, sem os grandes monumentos religiosos ou poéticos da Solidão humana”. Encontramos esse texto de Pierre Legendre nas primeiras páginas de seu magnífico livrinho.
De fato, instituir a vida, é exatamente essa a palavra-chave. Esse deve ser também o enfoque de toda instituição. Nessa instituição da vida, os educadores e os trabalhadores sociais são os postos avançados. O combate irrompe violentamente. Há muita gente abatida. Por vezes não sabemos o que fazer e nem mesmo se lutar vale a pena. Reina uma tal obscuridade em nosso mundo que nem mesmo nos reconhecemos mais entre nós. A única coisa a que se apegar é esse enigma que faz o humano, esse vazio no centro do homem, como diz Legendre. Reacender em cada um, para cada um, a pequena chama que aponta esse enigma, é essa a tarefa presente, passada e futura daqueles que trabalham o social, assim como o social os trabalha. O animal bípede e falante que o universo engendrou, sem que nunca conheçamos sua razão, não terá saúde a não ser encontrando em cada sujeito e em suas relações com os outros a centelha desse enigma. É assim esse ponto em que todo o saber do mundo não pode esgotar a verdade do ser.
O ser humano, porque é ser de fala, “ser falante”, como diz Lacan, está estruturalmente submetido a esse impossível tudo dizer, tudo fazer, tudo ser, tudo ter, tudo saber. É essa falta fundadora que faz o humano e, por vezes, humano demais. A palavra cria a falta no homem e é desse lugar que o faz faltante que ele pode encontrar os outros. Esse lugar, o do impossível de preencher, do impossível de satisfazer, é ao mesmo tempo a fonte de onde jorra o laço social. Sejamos nós educadores ou analistas, pais ou filhos, até mesmo “sem pernas ou enforcado” [ cul de jatte ou pendu ], como cantava Jacques Brel, é essa falta que nos humaniza e faz de nós animais sociais. A conseqüência em matéria de educação é óbvia: educar... isso deve deixar a desejar...
Biographie sommaire.
Après avoir exercé de nombreuses années comme éducateur spécialisé, Joseph ROUZEL est aujourd'hui psychanalyste en cabinet et formateur. Diplôme en ethnologie de l’Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, DEA d’études philosophiques et psychanalytiques. Il est bien connu dans le secteur social et médico-social pour ses ouvrages et ses articles dans la presse spécialisée. Ses prises de position questionnent une éthique de l'acte dans les professions sociales et visent le développement d'une clinique du sujet éclairée par la psychanalyse. Il intervient en formation permanente, à la demande d’institutions, sur des thématiques, en supervision ou régulation d’équipes. Il intervient dans des colloques et anime des journées de réflexion, en France et à l’étranger. Il a créé et anime l’Institut Européen «Psychanalyse et travail social » (PSYCHASOC) dont les formateurs dispensent des formations permanentes en travail social et interviennent à la demande dans les institutions sociales et médico-sociales.
1 Tradução de Sandra Regina Felgueiras – psicanalista.
2 A expressão é en souffrance ; é uma expressão que indica um “sofrimento”, mas um sofrimento que se caracteriza por uma impossibilidade (momentânea) de ter uma destinação. Assim, por exemplo, lettres en souffrance são cartas que não encontraram (ou ainda não) seu destinatário, à espera de serem “retiradas” por quem de direito. (NT)
3 Rede de supermercados na França. (NT)
4 Frisamos aqui a equivocação existente no uso do termo apprendre em francês: ensinar e aprender. (NT)
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jeudi 26 novembre 2009